Preciso falar sobre estes nós na garganta.
São tantas coisas acontecendo, tantos burburinhos...
E tantos retrocessos diante de poucos avanços e os que foram conquistados
agora estão se desmanchando como brumas em meio a tantos nevoeiros e
nebulosidade.
Não são apenas os de agora, embora que neste momento o massacre seja
maior, mas venho acompanhando desde muito tempo... De muito cedo, ainda
do tempo em que o Pé Sujo era meu berço cultural (literalmente falando).
Fico sinceramente dilacerada com o cenário político do mundo.
Mas hoje preciso falar das catástrofes que estão mais perto, como aquela que
expressa o cenário da minha cidade e, mais especificamente com a cultura
local.
Acho importante citar que nunca tive cargos ou me coloquei em posição servil
à qualquer tipo de bajulação que pudesse ofuscar meu real interesse pela
cultura da cidade. Aprendi com meu pai e seus amigos e que hoje são meus
amigos a acreditar no potencial criativo deste meu chão.
Começo falando deste último ano de 2016, onde tivemos um “divisor de
águas”, importantíssimo em relação aos anos anteriores, pois avançou na
compreensão de que a secretaria de cultura é o lugar que se faz políticas
públicas culturais e que tem como foco a defesa do patrimônio material e
imaterial de uma sociedade.
É por isso que tomo como primeiro exemplo um espaço PÚBLICO, que até
recentemente teve vida e incentivava a sociedade a ocupar o Espaço Público -
porque ele é público e não moeda dos interesses privados -, a Biblioteca
Leonel de Moura Brizola. O monólito sempre foi algo estranho à cidade, que
sempre perguntou “o que era aquele caixote suspenso?”, mas que havia ganho
a identidade de biblioteca e virou um verdadeiro polo cultural, pois os jovens,
as redes e os ativistas culturais ocuparam ali, manhã, tarde, noite e, por vezes,
de madrugada, diversos movimentos construíam sua identidade com a cidade
ali. O espaço público era aberto e a sociedade ocupava com consciência,
respeito, alegria e forjava o capital social de sua cidade.
Mas parece que querem transformar o que fora uma viva biblioteca em um
monólito - mais uma vez.
Eu me senti ferida quando fui proibida - por ordens superiores, como
sentenciou o porteiro do prédio, muito sem graça por sinal - de entrar em um
espaço no qual eu via como o espaço da cultura na cidade. Para não
cometermos algum tipo de injustiça, a proibição de acesso ao espaço público
deu-se em um evento debaixo do caixote suspenso em um sábado após o
carnaval. Estava com a minha família e muitos amigos, na sua maioria, pessoas
engajadas em atividades culturais e com longo histórico de defesa pela cultura
local, mas o fato é que não pude levar meu filho, uma criança de três anos, no
banheiro da biblioteca. Fiquei surpresa, pois já desenvolvi tantos projetos ali e
tenho certeza que mais contribui, estive presente, do que os bedéis e aspones
que querem lograr da ordem no local ao não permitir que aquele espaço
público vire uma espécie de “mijódromo”.
O que relato pode parecer ser uma simples questão de filosofia de gestão ou
ainda, a fria conveniência da administração, mas como considero a cultura uma
expressão viva e os espaços públicos como um lugar de incentivo à cidadania,
a exemplos de outras cidades nas quais as bibliotecas públicas ficam abertas de
madrugada e nos finais de semana, a biblioteca da minha cidade poderia seguir
o mesmo caminho, mas, o que parece a nova/velha gestão não compartilha da
mesma concepção sobre a formação da cidadania. Perderam a oportunidade de
colocar um banheiro químico na praça e de fazer uma série de oficinas infantis
com a temática do carnaval trazendo as crianças para dentro da biblioteca.
Realmente não gosto de falar de latrina, mas...
Eu vim falar da luta, da peregrinação de muitas pessoas que lutaram para
existir uma secretaria de cultura, por conselheiros que sempre estiveram na luta
e pelo esforço de colocar a política cultural da cidade em concordância mínima
com a política nacional de cultura e do provável retrocesso em relação à
transparência dos recursos da pasta, da duvidosa lei aprovada na câmara dos
vereadores, levados a cabo por pessoas que nunca estiveram nos fóruns, nos
seminários, nas plenárias, nos debates e eleições das diversas composições do
conselho. Eu vim falar de uma certa ética que tem desaparecido das ações do
poder público, como quando em uma reunião fechasse um acordo – ainda que
verbal -, um compromisso de levar a lei apresentada pela secretaria para uma
audiência pública. Ficou feio, muito feio, a lei ser votada sem a participação
dos conselheiros, dos movimentos sociais, dos coletivos e redes de fazedores.
Virou um acordo fechado.
Como falei antes, o cansaço não é só com o que está aí, mas com o outro que
se foi, o outro e outro, que acaba sendo o mesmo.
O cansaço é destas pessoas que se brotam com seus interesses, empresas,
conchavos, contratos e que nunca acompanharam de perto, nem mesmo do
muro, processos e conquistas da cultura da nossa cidade.
Falo da falta de respeito das arvores plantadas no espaço cultural da praça
Roberto Silveira.
Falo do corte de árvores absurdo, da matança do coração verde do centro da
cidade para construção de um shopping.
Falo do descaso com uma escola que ali está e sua importância como
patrimônio histórico e cultural da cidade.
Das compensações nunca realizadas com a derrubada de prédios históricos e
espaços culturais.
Do dia 20 de março passar quase despercebido este ano...
Da rasteira que o conselho de cultura levou junto com suas conquistas de 2016.
Do abandono do Teatro Procópio Ferreira, cuja violência que estão fazendo
com aquele histórico espaço da cultura de Caxias é cruel, machuca e dói na
memória da alma, é caso para Ministério Público.
Falo da apreensão que tenho das futuras parcerias público-privadas e do que
possivelmente pode ocorrer com o Teatro Armando Mello...
Eu fico muito triste quando as escolhas e nomeações políticas penalizam a
cidade ao colocar pessoas que não tem o mínimo conhecimento sobre a pasta
que assumem ou importam estrangeiros para “tocar” a cultura local. Ninguém
aguenta mais ensinar o “beabá” e fazer um painel didático e histórico sobre
movimentos, pessoas, coletivos, lutas e desafios da cultura local.
E muito fácil encontrar a pedra já lapidada e esquecer quem garimpou antes.
Pior, muito pior é quando afirmam que nunca houve nada, que os espaços e
aparelhos nunca funcionaram. Importante abandonar a presunção de achar que
se está inventando a roda e perder a oportunidade de agregar, articular e fazê-la
girar com a participação de muitos, sobretudo, de quem vive pelas artes.
Nós temos uma história, nós temos “personagens” que precisam ser lembrados,
não só por sua importância cultural, mas por suas ações, pensamentos e
ideologias quando o fazer cultural era muito mais difícil que os dias de hoje.
Quantos Barbozas, Joões, Chiquinhos, Arakens, Jorges, Acacios, precisarão
existir para fazer a diferença em nossa cidade e dar continuidade aos projetos
semeados ao longo de gerações?
Há uma juventude pulsante na cidade. Cheia de ideias, disposição, produzindo
muito, resgatando uma história viva, ocupando as escolas, praças e ruas sem
medo, e isso me traz esperança.
Quantos governos entrarão e farão questão de não dar continuidade aos
projetos bons feitos anteriormente?
Agora o que mais tem me incomodado é a larga utilização das redes sociais
como lugar de depreciação e desrespeito ao outro. Sei que às vezes posso
parecer inconveniente porque falo na cara e olhando nos olhos o que penso e
acredito. Desejo ver uma igual atitude nos espaços públicos. Administradores
públicos devem tratar os problemas públicos em espaços públicos.
De forma alguma desejo ser arrogante e cometer o erro de não levar em
consideração que todas as pessoas tem a sua história e não é porque não
participaram de algum dos movimentos realizados ou mesmo estiveram
envolvidas com a política cultural da cidade que devem ser desmerecidas ou
desprestigiadas como agentes culturais. A cultura expressa-se por diversas
formas, mas é preciso diálogo.
Transparência.
Paciência.
E muita fé.
Mas enquanto isso, a gente se encontra na festa do trabalhador coma Valeska
Popuzuda.
Teatro Armando Melo: Inaugurado em 1967, foi o primeiro teatro público da cidade. |